domingo, 23 de janeiro de 2011

Cunhan-teco-ima

Segundo o Conde Ermanno Stradelli, explorador e geógrafo italiano, em seu "Vocabulário Nheêngatu-Português", as Icamiabas sempre foram conhecidas entre os amerígenas por um outro nome: Cunhan-teco-ima, as "Mulheres sem Lei" ou mulheres fora-da-lei.

Stradelli apresenta tecô-cuaoára, como costume, lei e; tecô-iaui como lei transgredida. Logo, cunhan-tecô-ima vem de cunhan, mulher; tecô, lei e ima como sufixo de negação.

Origem etimológica das Icamiabas

O nome Icamiaba está associado às amazonas antes mesmo da chegada do invasor branco, e o relato do Padre Acuña prova isso: O Monte Yacamiaba (ou Icamiaba, ou Itacamiaba) é conhecido de todos os amerígenas da região, não só os Karib, mas entre os falantes ou não do tupi e do nheengatu.

Uma outra prova da existência das Icamiabas está no fato dos Pauxí, tribo Karib, que antes de serem expulsos para o Mato-Grosso, habitavam a região do Trombetas-Jamundá, chamarem o rio Jamundá de Uridxan-iana e a montanha de Uridxan-tepe. Uridxan, no idioma caribe significa mulheres; ina, significa tribus, família. Rio da tribo das mulheres ou Rio das Mulheres e Monte das Mulheres.



Segundo Ypiranga Monteiro, em “Roteiro do Folclore Amazônico”, Yacamiaba pode ser traduzida como “monte escondido dos homens”, mas aceitando também a tradução confusa de “mulheres sem marido”.

Encontrei dezenas de definições etimológicas para Icamiaba. Alguns autores chegam a tentar forçar um “peito rachado” ou um “pedra peito de gente”, Itacambyava, por causa da semelhança sonora entre cama, seio; camby, camy, leite; mas não existe nenhum relato que as caracterize sem os seios, ou sem um deles pelo menos.


Infantaria Icamiaba. "(...) os índios não ousavam voltar as costas ao combate, pois os que voltavam diante de nós eram mortos a pauladas."

Em "Histoire de la mission des pères capucins en l’isle de Maragnan", Claude d’Abeville também faz referência às mulheres sem marido e o frade Ive d’Evreux chega a sugerir outra grafia: Itacamiúua. Sugerindo que a tribo tenha sido nomeada por habitar a Serra Itacamiaba, próxima ao Rio Jamundá.

Talvez, Icamiaba seja composta de quatro palavras em tupi: ita caa meen anã, que poderia ser traduzida como “a pedra no mato sobre a qual se entregam”, tradução endossada por alguns autores. Algumas variações poderiam ser Itacamenaua, Itacamenaba, Itacamiaba, Icamiaba.

Yacamiaba

Data de 1640 o relato do padre Cristóbal de Acuña, a serviço de Felipe IV, intitulado “Nuevo descubrimiento del gran Rio de las Almanzonas”, que pretendia reivindicar a descoberta do rio ao português Pedro Teixeira, que partiu da Capitania de Pernambuco em 1637 até o Equador, e na volta, trouxe dois missionários espanhóis - padres-espiões - a serviço do Rei da Espanha.

Segundo Acuña, “(...) trinta e seis léguas desta aldeia, correndo rio abaixo, está para o lado norte o rio das Almanzonas, que se chama rio Cunuris, como é conhecido entre aqueles naturais. Toma este rio o nome dos primeiros índios que sustenta sua boca, a que se seguem, rio acima, os Apantos que falam na língua geral de todo o Brasil. Depois destes, rio acima, estão situados os índios Taguaus e, por último, estão os que se comunicam com as mesmas Almanzonas, que são os Guacarás. Tem estas mulheres varonis seu assento entre os grandes montes e extensas serras, nos quais mais se destaca, entre todos, um monte que é muito batido pelos ventos, e por causa disto, se mostra limpo de ervas e se chama Yacamiaba.”

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Icamiabas

O primeiro relato sobre as amazonas americanas é o relato de Colombo, que descreve o encontro dos conquistadores com mulheres guerreiras nas Antilhas. Numa carta enviada ao tesoureiro da Coroa Espanhola, ele dá a notícia de uma ilha habitada somente por mulheres: "(...) e estas mulheres não se dedicam a trabalho algum próprio de sua natureza, pois usam o arco e a flecha".

As Icamiabas, as mulheres guerreiras conhecidas e temidas por quase todos os povos brasílicos, aparecem pela primeira vez no relato de Francisco de Orellana e do frei Gaspar de Carvajal: “Relacion del nuevo descubrimento del famoso rio Grande, que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana, desde su nascimiento hasta salir a la mar”. Conta o frade que “íamos desta maneira caminhando e procurando um lugar aprazível para folgar e celebrar a festa do bem aventurado São João Batista, precursor de Cristo, e foi servindo a Deus que, dobrando uma ponta que o rio fazia, víssemos alvejando muitas e grandes aldeias ribeirinhas. Aqui demos de chofre na boa terra e senhorio das Amazonas (...)”

Quando aproaram numa aldeia de amerígenas adoradores do Sol, que chamaram de Chise (!), os exploradores deram com um grande ídolo de pedra que se encontrava no meio da praça da aldeia e que, ficaram sabendo, “era o emblema da grande e poderosa Senhora, que era a rainha de uma grande e poderosa nação de mulheres guerreiras.”

Orellana foi advertido de que poderia encontrar oposição quando penetrassem no território das Icamiabas, mas como não podiam fazer outra coisa a não ser continuar descendo o Amazonas (que foi nomeado por Carvajal, Rio Orellana), desmancharam o bergantim tosco que haviam construído no começo da viagem e construíram uma embarcação mais resistente, para que pudessem prosseguir.

Precisamente, na região entre a foz do Jamundá (ou Nhamundá) e a do Trombetas, a nau Victoria foi atacada por uma chuva de flechas. “(...) andamos nessa peleja por mais de uma hora, pois os índios não perdiam o ânimo, parecendo, pelo contrário, que o dobravam. Quero que se saiba qual foi a causa desses índios se defenderem daquela maneira. Deve-se saber que eles são tributários das Amazonas e, sabendo de nossa chegada, foram pedir-lhes socorro e vieram cerca de dez ou doze, e andavam elas lutando diante dos chefes índios de tal maneira, tão animosamente, que os índios não ousavam voltar as costas ao combate, pois os que voltavam diante de nós eram mortos a pauladas e esta é a causa de os índios se defenderem tanto.”

Icamiaba.

Carvajal descreve as Icamiabas como mulheres “altas, belas e robustas”, de pele clara e longos cabelos negros (e não loiras sem um seio), “(...) musculosas e andavam nuas inteiramente, tapando apenas o sexo e com arcos e flechas, guerreavam tanto quanto dez índios.”

O resultado do encontro: Cinco feridos, entre eles, o frei Gaspar de Carvajal, que teve um olho vazado. Esse foi o primeiro encontro documentado com as Icamiabas.

Amazonas

O mito das amazonas brasílicas é um dos mais antigos e mais difundidos mitos sobre o Novo Mundo, ainda que o nome “amazonas” não pertença ao contexto histórico e cultural das Américas. Desde o achamento, elas aparecem ilustrando as cartas náuticas e mapas como representantes do Novo Mundo e de seu universo de antigas civilizações, cidades perdidas e tesouros incalculáveis.

As amazonas gregas pertencem a um ciclo mitológico mais antigo, de quando as cidades gregas ainda prestavam vassalagem ao antigo poder de Creta; quando não era, ainda, uma potência econômica, política ou militar; do mesmo ciclo mitológico dos Titãs, antes da derrota para os Olímpicos.

O fim da Idade do Bronze trouxe o fim do império marítimo de Creta, o fim do Império Hitita, a invasão da Macedônia pelos dórios, o fim de Micenas e o começo da expansão grega pelo Mediterrâneo. Quando os gregos se estabeleceram na Jônia, o Império Hitita, sua cultura e religião fora obliterada, havia pelo menos, 500 anos. Nesse período, aproximadamente, se dá a Guerra de Tróia. Quando Homero descreve as amazonas na Ilíada, refere-se a elas como as sacerdotisas da deusa Hatti, a deusa-mãe dos hititas.

Sacerdotisa minóica. Creta, 1600 a. EC

As Amazonas já são citadas na Argonautika, onde diz que Jasão prudentemente evita entrar em combate com as sacerdotisas; aparecem também no ciclo de lendas de Hérakles, no Dodekathlos (duas vezes: No roubo do cinturão de Hippolyta e no roubo do Pomo das Hespérides). O Dodekathlos deveria ser posterior à Argonautika, já que Eurystheus soube do cinturão de Hippolyta através da história de Jasão, mas na verdade é anterior (!).

As amazonas gregas são descritas por Homero, na Ilíada. No livro VI, o troiano Glokos conta ao aqueu Diomedes como seu ancestral Belerofonte venceu as Amazonas que invadiam a Lícia. As Amazonas de Homero viviam em Themiskyra, junto ao rio Thermodon na Ásia Menor. A rainha das amazonas asiáticas, Penthesilea (que é irmã de Hippolyta), veio com outras onze amazonas ajudar os troianos contra os gregos. Morreu depois de desafiar Aquiles para um duelo, que depois passou as outras onze na espada. As doze foram sepultadas sob as muralhas de Tróia e seus machados de lâmina dupla foram um dos tesouros que os gregos trouxeram como espólio.

Labris minóico.

Segundo Diodoro Sículo, além das amazonas de Themiskyra, existiam amazonas no norte da África, na cidade de Hespera, às margens do mítico Lago Tritonis, que Diodoro e Heródoto alegam tem existido no Sahara. Essas amazonas conquistaram todo o norte da África expulsando os atlantes (sobreviventes do afundamento que colonizaram as vizinhanças do Monte Atlas) e lutando contra outra sociedade matriarcal africana, as Górgonas, lideradas pela rainha Gorgone.

O fim das invencíveis Amazonas, gregas, asiáticas ou africanas, assim como as Górgonas deu-se, segundo Diodoro Sículo pelas mão de Hérakles: "(...) Por fim, as Górgonas, juntamente com a raça das Amazonas, foram exterminadas por Hérakles durante sua expedição ao Ocidente, quando colocou uma coluna na Líbia; (...) pois Hérakles não podia admitir que existisse uma nação governada por mulheres."

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Curupira

O Curupira é tido como o mais antigo goblin brasílico. A mais antiga menção documentada de seu nome é de 30 de Maio de 1560, pelo Pe. José de Anchieta:

"É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos demônios que os brasis chamam Corupira, que acometem aos índios, muitas vezes, no mato, dão-lhes açoites, machucam-nos e matam-nos.

São testemunhas disto, os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles.

Por isso, costumam os índios deixar, em certo caminho, que por ásperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume das mais altas montanhas, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras coisas semelhantes, como uma espécie de oblação, rogando, fervorosamente, aos corupiras, que não lhes façam mal.”

Nenhum outro goblin brasileiro havia determinado uma oferenda propiciatória, até então.



Da criatura informe e sinistra do relato de Anchieta, logo passou a ser representado como um anão (ou duende), de cabelos vermelhos (ruivos ou como que "pegando fogo") e com os pés invertidos, com os calcanhares pra frente. As menções clássicas a essa deformidade vem de Aulo Gélio (125 a.C. - 180 a.C.) em seu "Noites Áticas" e por Santo Agostinho em "De Civitate Dei" onde é citado o nome erudito dessa anomalia: Opistópodos!

Segundo Câmara Cascudo, em sua Geografia dos Mitos Brasileiros: "(...) vigiando árvores, dirigindo as manadas de porcos do mato, veados e pacas, assobiando estridentemente, passa a figura esguia e torta do Curupira, o mais vivo dos duendes da floresta tropical."

Curupira significa para muitos "Aquele que tem corpo de menino", de curu, contração de curumi, menino em nheengatu; e pira, corpo. O Curupira, assim como o Kurupi paraguaio é um anão ou duende de cabelos vermelhos. O Kurupi pode ter ou não os pés virados pra trás, mas tem uma grande diferença em relação ao Curupira: Um pênis gigantesco que ele leva enrolado na cintura e usa pra laçar e violentar donzelas indefesas que saiam pra caminhar sozinhas pelo mato.

Em algumas versões brasileiras o Curupira também tem um pênis avantajado que ele usa como tacape pra bater nos troncos de sapopema, antes das tempestades, pra ver se as árvores vão resistir ao temporal. Em outras versões ele usa um machado feito de casco de yautí (jabuti) ou os calcanhares invertidos.

Como protetor das florestas, castiga impiedosamente aquele que caça por prazer, que mata as fêmeas prenhes e os filhotes indefesos, mas ampara o caçador que tem na caça seu único recurso alimentar, ou que abate um animal por verdadeira necessidade. 

No trabalho de Kreüther Pereira, encontramos os seguintes nomes e grafias: cayapóra, cayapora, kaápora, caipora, jurupari, anhangá, koropyra, curupira, currupira, tatacy, çacy, saci, sacipererê, sacy-cererê, maty, matinta, matinta pereira, mati-taperê ou simplesmente sererê. 

"O que queremos mostrar é a dificuldade para se dar a esse mito um contorno definido e esclarecer as funções da divindade. E é exatamente aí o fulcro da confusão que coloca o Caapora, o Curupira e o Saci, como uma só entidade. Embora exista uma diferença estrutural evidente entre Caapora e Çacy, ambos são membros da mesma família. O vocábulo Caápora, ligado à imagem de protetor, função exercida pelo Curupira e pelo Saci, na nossa opinião, é o verdadeiro foco da confusão." 

Além dos caracteres físicos, diferem também nos etimológicos: caá significa mato e Cy, mãe, portanto Çacy é Mãe do Mato; enquanto Caá-pora significa, morador da mata.



Gonçalves Dias descreve na figura do Caapora, o duende que conhecemos como Curupira:

"O Caapora veste as feições de um índio anão de estatura, com armas proporcionais ao seu tamanho; habita o tronco das árvores carcomidas onde atrai os meninos que encontra desgarrados na floresta, outras vezes divaga sobre um tapir ou governa uma vara de infinitos caitetus, cavalgando o maior deles. Os vaga-lumes são seus batedores, é tão forte seu condão que o índio que por desgraça o avistasse era mal sucedido em todos os seus passos. Daqui vem chamar-se Caipora ao homem a que tudo se dá ao contrário."

domingo, 9 de janeiro de 2011

Brasílico!

Nosso gentílico, "brasileiro", não poderia representar o designativo étnico ou pátrio do natural do Brasil!

O sufixo eiro, presta-se para designar uma profissão ou um ofício: madeireiro, oleiro, padeiro. Historicamente, o termo pode derivar da profissão primária do explorador português, o "brasileiro" era quem extraia a madeira do pau-de-tinta, o Pau-Brasil! O mais estranho é descobrir que não há, na língua portuguesa, o uso do sufixo eiro, associado etimologicamente a qualquer significação gentílica ou étnica.

"Mitologia Brasílica" foi o termo proposto por Monteiro Lobato nos anos 20, quando escreveu o "Inquérito sobre o Saci", de certa forma, o motivo para esse blog!